E o amor carnal
é um passageiro amor!... cantou
Baptista Cepellos. E como estava enganado o poeta...
Ainda estudando na Faculdade
de Direito de São Paulo, e tendo como colegas de turma Ciro
Costa, Artur Mota Júnior e Bruno Peixoto Gomide, entre outros,
Baptista Cepellos já tinha tido experiência como Promotor
Público nas cidades de Apiaí e de Sarapuí quando foi transferido
para Itapetininga e, em meio a isso, integrava um grupo de
intelectuais que pensavam na fundação da Academia de Letras
de São Paulo e foi promovido a capitão na Força Pública assumindo
o comando de um batalhão da Primeira Companhia. Uma vida agitada
a do poeta de Cotia... Nesse agito, conheceu Sofia,
irmã do colega Bruno. Talvez que ele ainda tivesse esse conceito
de amor passageiro, mas a paixão que logo o atravessou ao
conhecer Sofia deve ter influenciado, também, uma mudança
radical no seu comportamento. Essa amada Sofia tornou
o poeta mais poeta - como escrevi em jornais de Cotia; ela
tornara-se a fonte onde o poeta bebia a fragrância lírica
que colocava ora na prosa ora na poesia.
Quem era Sofia?
A mais que tudo de Baptista
Cepellos era filha de uma família da plutocracia paulista:
os Gomide.
Segundo os amigos - os poucos
amigos!, Baptista Cepellos era um homem com charme,
mas esquisito em algumas coisas como no fato de jamais abandonar
(um)a bengala da qual não carecia de maneira alguma...mais
tarde, sim, em razão da miopia. Por outro lado, era homem
sem recursos financeiros e...oriundo da quilo que, na época,
era ainda a boca-de-sertão; Cotia era isso: o sertão, o alto
mato. Autodidata e depois bacharel em Ciências Jurídicas e
Sociais, Baptista Cepellos negava a si mesmo essa essência
rural: não sou caipira, dizia para os amigos. Mas havia
nascido no meio do mato. Cotia era, aos olhos de uma família
do Poder - e o chefe dessa família era nem mais nem menos
que o presidente do Senado paulista, Dr Peixoto Gomide! -
uma aldeia no meio do mato que dava acesso ao sertão.
Dentro deste quadro havia algo
que não estava no lugar...
De uma coisa todo o mundo estava
consciente: o amor entre a filha do senador e o poeta
não era coisa passageira. Nem o próprio poeta acreditava mais
naquela sua concepção de amor passageiro. Os dois estavam
unidos pela carne e pela alma. Mas, e a sociedade?
A filha-de-família tradicional
vai casar com um poetinha lá de Cotia, ouvíu-se na Sampa.
No final de 1905, em outubro, o Dr. Peixoto Gomide e a esposa
tornaram público o contrato matrimonial entre a filha e o
escritor, capitão e advogado. E a tradição de bons casamentos
entre as famílias do Poder paulista? Onde fica a tradição?
A pressão social e familiar sobre
os pais de Sofia iniciou um processo de deterioração
psicológica; e ele - o pai, foi particularmente mais atingido
em função do seu cargo presidencial no Senado.
Estava em jogo o Poder do sangue
azul que não permitia a miscigenação nem tampouco a vizinhança
com as classes inferiores, mesmo que alguns dos seus representantes
fossem intelectuais ou universitários. O racismo social e
cultural estabelecia regras rígidas especialmente para quem
ocupava os corredores do Poder.
Peixoto Gomide estava entre a
espada e a parede.
Corria o ano de 1906, e naquele
dia 20 de Janeiro, a pressão psicológica implodíu a alma de
Peixoto Gomide. Sabia que nada afastaria a sua Sofia
do poeta de Cotia. O amor profundo que os unia era poesia
pura... Só a morte!, terá pensado ele. Só a morte para salvar
a honra da mui nobre família! E, empunhando um revólver, procurou
a filha: a força do Mal estava toda naquele homem que puxou
o gatilho e fez brotar o fogo contra o Bem representado na
mulher apaixonada. Sofia caíu morta atravessada por
uma bala. Mas nem tudo estava resolvido. Virando o revólver
contra si mesmo, ele se matou... Era o fim de uma mulher
que ousou ser mulher amando e o fim de uma página do Poder
social retrógrado.
Ao saber, em Itapetininga, que
a sua amada Sofia estava morta, Baptista Cepellos
caíu prostrado. Por que viver sem o nosso amor?
O desespero atirou-o para o limiar
do Nada, mas teve forças - talvez que em homenagem à sua amada
Sofia - para não cair no niilismo e continuar o seu percurso
de escritor festejado por Araripe Jr e Olavo Bilac, entre
outros.
A sociedade paulista ficou chocada
com o caso...
Pura cretinice...!
A verdade, sabemos, é o adequar
do nosso pensamento às realidades externas - isto é: quando
vemos e sentimos construimos em nós um comportamento correspondente
a essas necessidades vitais da comunicação entre nós e as
coisas. Isto, quanto Ser individual; no que respeita ao Ser
coletivo, a noção de verdade está imbuída da crença em algo,
seja um algo sociocultural ou religioso. O que se opõe a essa(s)
verdade(s) aceita(s) é falso. Mas até o conceito de falsidade
é relativo. A verdade é uma intuição (há quem a queira como
instituição) particularíssima. É como Deus, que existe em
cada um(a) de nós...
Por este quadro se implodíu o
Dr. Peixoto Gomide, por este quadro foi colocado fim ao romance
entre a doce Sofia e o charmoso poeta Baptista Cepellos!
Essa mulher que tocou a alma
do poeta ficaria para sempre em sua memória. Dois anos mais
tarde, ele cantava
Que amor! Não
posso mais! Que amor! Que amor imenso!
Sinto o meu
coração derreter-se em ternuras!
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Tôda esta alma
eu queimei a seus pés, como incenso
glorificando o Amor. A paixão
por Sofia havia feito
de Baptista Cepellos um
outro homem. Era o homem apaixonado e sensível ao mundo humano
e às coisas que o rodeavam. Também, mais espiritual...
Sempre o ser
ou não ser. A infeliz criatura,
Diante do Criador,
cambaleia
direi, estava mais senhor de
si
mesmo na abertura da alma nos
choques que a Vida lhe proporcionou.
O poeta sabia que a Verdade era
como Deus, estava em si mesmo; e a Vida não poderia parar
nas circunstâncias cotidianas, mesmo quando essas circunstâncias
- enquanto reflexo de um social absolutista, provocavam a
ruptura fatal do Amor
Baptista Cepellos é o
poeta do drama brasileiro por ter vivido ele mesmo a vertente
da ambígua sociedade!
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