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Baptista Cepellos

O poeta do drama brasileiro

AS VEREDAS DO POETA

Índice

O POETA D'ACUTIA

JB ENTREVISTA CEPELLOS

A CIDADANIA E O POETA

TRÁGICA POESIA D'AMOR

MANECO É MORTO

BAPTISTA CEPELLOS E COTIA

 

 

Num sereno collar
de agua limpida e pura

A formidável Luz que nos assinala o caminho do Bem ou o caminho do Mal está sujeita a uma carga psicológica que todos transportamos em nosso subconsciente. É esta mesma Luz que transforma o Ser Humano em instrumento de Arte,

instrumento capaz de, mesmo sob o efeito do Bem ou do Mal, criar o Belo

e, também por isso, capaz de se multiplicar!

O lado místico de um Ser analfabeto interpreta o Bem e o Mal de um jeito único, levando a maioria das vezes essa posição abstrata à dimensão de uma mítica realidade cotidiana; assim, o endeusamento da percepção do abstrato funciona como uma mola - é aquela Luz num outro sentido. Já o Ser alfabetizado trilha o mesmo caminho, mas uma minoria o faz como se fora uma bandeira crítica a desbravar novos valores a partir daí.

Situando-nos na Obra literária de Baptista Cepellos, verificamos que este havia sentido a força abstrata da Luz mas que não caminhara facilmente pelo rasgo iluminado pela mesma; se essa luminosidade é um Todo psicologicamente penetrável ou, no mínimo, compartilhável no nível da experimentação da Vida, em suas ações criativas, o escritor quis saber o como e o porquê da linha fronteiriça exposta assim diante de si mesmo; ele - o escritor, não quis ser como todo o mundo, quis interpretar o simbolismo vivo desse limiar entre a ação de Nascer, Viver e Morrer; por isso, podemos dizer que existiram

as veredas de Baptista Cepellos,

porque o escritor, que foi poeta e romancista e contista, situou-se no nível da fecundidade psicológica e literária utilizando-se como instrumento de arte da própria Vida - isto é: ele viveu a imensidão da Alma e do Sonho caminhando em várias direções.

Se neste ilustre homem das letras (que os brasileiros de hoje pouco estudam, ou simplesmente desconhecem) podemos encontrar o subjetivismo do simbólico, aí não se caracteriza ainda a escola simbolista, a pesquisa do homem sensível que, tendo colhido no objetivismo da forma pura (do parnasaísmo) outra vertente, entendeu a força da Vida sem cair no decadentismo de apuros abusivos e viciados da forma: o poeta e romancista e contista soube tornar-se conhecido pelo Brasil mercê de um estilo próprio. Tanto que o insuspeito Olavo Bilac, em prefácio à famosa edição das poesias d'Os Bandeirantes (Est. Tip. Fanfulha, SP/1906), concluía que

Apregoar o nome de um poeta, de um

verdadeiro poeta, - não é satisfação que seja

todos os dias concedida a um escriptor.

Lendo os versos (...) tive um dos mais

intensos prazeres de minha vida: senti-me

em contacto com um espirito creador e original

dando a entender que, definitivamente, Baptista Cepellos estava na galeria dos grandes nomes das Letras Brasileiras e da Língua portuguesa, sob o aplauso, ainda... de ilustres intelectuais e críticos como Araripe Jr., João Ribeiro ou Walter N. Silva. Também, e aqui sob uma nítida influência eciana - talvez a mais profunda na Obra -, ele traçou a linha romântica da ficção; no entanto, lendo com atenção o romance O Vil Metal (Livr. Cruz Coutinho, RJ/1910), encontramos o rastro da ambiguidade própria de quem procura algo mais do que um simples viver. O paulista de Cotia colocou na prosa o romântico e o naturalista, isto n'O Vil Metal e na coletânea de contos Os Corvos (Anésio Azambuja & Cia, SP/1907). Não fora a morte ter madrugado e este escritor seria hoje um dos mais procurados autores lusófonos... Ilustrando o lirismo e a frieza natural do prosador, veja-se como ele define a luxúria mental e corruptora do bacharel Zeferino de Seixas, um dos personagens d'O Vil Metal: ...e vestia com lamentável deselegância umas roupinhas tão escassas que parecia ter havido miseria de panno. Mas nos dias de representação e de luxo transformava-se: punha frack desengonçado, engraxava os sapatos..., etc. Ou, n'Os Corvos, quando nos diz que

O escriptor que implacavelmente

rebusca o triste segredo das almas,

acaba por ficar com a sua própria

alma combalida de scepticismo.

Sem dúvida que se expunha, falava d'ele-mesmo para que outras gerações pudessem entender o porquê da psicologia que atravessa(va) toda a sua Obra.

Não fosse a mania que alguns críticos literários tinham e têm de barrar este ou aquele, num processo de simpatia inerente a todos os animais (mas mais apurado no Ser Humano, que sabe usar o Poder para destruir a ascenção de outros iguais, ou melhores...), e Baptista Cepellos teria alcançado com as poesias d'Os Bandeirantes - ou somente com o poema São Paulo Antigo! - uma posição de príncipe entre a geração que sistematizara, com o inigualável Machado de Assis, a Cultura nascente brasileira.

Precisamente n'Os Bandeirantes (no poema Palmares) três versos definem a essência do Brasil em luta por si mesmo:

...luctai até morrer na lucta,

Porque a morte é melhor que o infernal

captiveiro!

Definição esta que se coaduna com a visão do mundo que o escritor alimentava desde o seu livro primeiro - o poemeto A Derrubada (Bento de Sousa, Editor, SP/1896) -, uma visão de frieza naturalista às vezes banhada de um certo sentido romântico; idêntica, aliás, à do poema Panorama Agreste, também d'Os Bandeirantes....

Logo pela manhã, tomo o chapéu e saio...

Não tenho direção: ponho-me estrada fóra,

E, alargando os pulmões aos bafejos de maio,

Respiro com delícia o bom cheiro da flora.

E quem mais poderia agir e se expôr assim

senão um artista da Vida?

Só um Ser que sabe ter Luz para fazer o bem ou o Mal pode se confrontar com essa Luz na busca daquela Cor -, aquele Algo cerebral, aquele espetro do Todo.

É nesta perspectiva social e natural, dir-se-á ecológica (e por que não?), sim, que (...) Baptista Cepellos, escrevi eu sobre ele, não era mais do que um Ser prostrado entre as cores magnificas e a Luz ofuscante, mas vivificante, da Natureza... que vamos encontrar grande parte da força do poeta.

Sem dúvida que o objetivismo parnasiano traçou nele a amplidão da busca; mas a este sentimento se juntou o espiritualismo, e da ambiguidade nasceram formas novas fazendo de

Baptista Cepellos um dos mais importantes - senão o mais importante, na época! - precursores da poesia social e de raiz. E, com isso, se projetou psicológica e filosoficamente como um brasileiro disposto a ser Brasil e a ser Ele-mesmo enquanto Ser sensível capaz de expressar

O espectaculo mais triste que se pode

observar debaixo do sol é este mizerável

encadeamento que existe

entre a vida e a morte!

Engajar a figura

e ele foi mesmo um caminheiro-de-figura-triste, após a morte da amada Sofia,

filha do senador Peixoto Gomide - que a matou, suicidando-se de seguida

do paulista de Cotia em um espectro

niilista, como alguns fizeram, não é correto. O escritor, que conhecia de perto a tragédia humana, mas também a comédia da mesma (recorde-se que ele viveu a época da problemática mistico-política de Canudos, desenvolvia a sua própria tragédia - a tragédia íntima, mais tarde colocada sutilmente na dramaturgia poética Maria Madalena (drama encenado 11 vezes no Rio de Janeiro, em 1915).

Amar é padecer. O amôr é um sofrimento.

Quem não sofre não ama...

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Só passa pelo mundo, estéril como o vento,

E não deixa memória e não deixa saudade!

Escreveu, como se o seu drama fosse alma gêmea

daquel'outro existencial encarado pelo português Mário de Sá-Carneiro, outro poeta para quem a memória estava a cima das coisas mesquinhas, suicidando-se ao som de latas e piruetas de palhaços num hotel de Paris... Aliás, a vida de ambos é muito parecida na busca cultural do limiar que é viver, livremente, por um sonho. Mas, enquanto M. Sá-carneiro não se conteve à porta do niilismo (ele foi provar a amargura do Nada), Baptista Cepellos ficou somente pelo triste caminhar procurando forças na Luz para continuar nas veredas íntimas e intelectuais que escolhera,

e como não há a certeza de que o poeta se suicidou, naquele

dia 8 de Maio de 1915, no Rio de Janeiro, embora a sua

escrita aponte psicologicamente para um ato final de memória

-, e talvez em homenagem à sua amada Sofia!,

resta-nos interpretar a sua Vida e a

sua Obra sob o prisma da mente criativa. Em sua Obra ele não praticou o niilismo, deixou sempre exposta a nostalgia amorosa e uma tristeza que lhe parecia perene fisicamente, mas que

não o inibia como criador

(...), um desses orientadores que sabem aparar as arestas

crispantes da primitiva inexperiência dos neófitos literários

como escreveu Walter Nogueira da Silva

(in Anhembi, sep., SP/1961). Note-se, entretanto, como dois anos após a morte da amada Sofia o escritor foi capaz de produzir o O Homem Que Pensa (um dos poemas de Vaidades, Laemmert & Cia, SP-1908):

Feliz o homem que pensa, e larga as velas,

Como um navio, balouçando os mastros,

E a mente, vencedora das procellas,

Ergue até às nuvens, dominando os astros!,

um hino à Vida cerebral, aquela que um

outro contemporâneo d'além-mar, o português Fernando Pessoa, tanto defendeu na (sua) criação literária.

É muito difícil definir, ao contrário do que pensa(va)m alguns - e entre esses alguns o fizeram/fazem levianamente - a vertente do Nada no caminhar cívico e cultural de Baptista Cepellos; ele procurou não o Nada, ou a redução ao Nada, mas a efetivação do Todo na plenitude humana que sabia carrear. O testemunho de Walter N. Silva, seu amigo, é disso um exemplo: tinha uma noção enérgica de independencia individual! Preferia sofrer, a depender de alguém.

O caracter forte do poeta e contista e romancista de Cotia revela-se também num aspecto particularíssimo dos seus passos: ele desejava a Natureza tal como ela se apresentava, assim como

Uma fonte, a cantar, crystalina rebenta,

E vai-se desatando, através da espessura,

Num sereno collar de agua limpida e pura

mas, ele não compreendia por inteiro essa

Natureza, e o poemeto A Derrubada, ao qual os críticos prestaram pouca atenção, infelizmente, é o canto psicológico de um Ser Humano que acata a naturalidade anarquista das coisas mas se sente inibido para nelas penetrar, preferindo armar o cérebro para a estampar num painel poético de ordem ambígua, porém profundamente criativa, na reestruturação do Belo - essa, a reestruturação da Vida dos sós. Assim, pensar em Baptista Cepellos após a leitura dos seus livros, é pensar nessa reestruturação, que ...só pode ser um inferno incrivelmente mantido pelo esotérico sentido de uma fanática visão ou por uma filantropia e só porque a dificuldade da vida está mesmo em saber tornear o só balançando o ser pelas ruas dos acasos que ligam tudo a todos, como escrevi em Estórias Poéticas (Oficina Letras & Artes, RJ/1988)... Esta particularidade íntima do escritor estende(u)-se à natureza humana: ao não interpretar

totalmente a cor e a palavra nativas, por exemplo, ele revelou simplesmente a imagem captada do Brasil, ora sentimental ora naturalmente tropical, ou rude; com isso, Baptista Cepellos não julgou a História, somente colocou-se diante da História e estampou-a cruelmente, como por essa época também o fazia Machado de Assis. Fez como que a aquarela de um objeto observado de relance, mas que tocou fundo a alma, uma vez que para ele bastava o toque superficial para ensaiar a criatividade onírica em torno de um objeto; como no poema As Árvores (d'O Cysne Encantado, Tip. a Vapor Vanordem & Cia, SP/1902):

Vinde poisar à fresca destes ramos,

Falai-me de outros céus e outros paizes.

Pobre de nós, que, para sempre, estamos

Vinculados ao chão pelas nossas raízes!

no qual podemos observar o ponto principal da sua

incompreensão face à Natureza. De tal modo era extensiva à Humanidade a questão da árvore sitiada, que os versos não deixam de simbolizar o Ser sitiado e desligado do Cosmo - que era ele mesmo. Ele, o escritor, preso à cadeia dos acontecimentos do cotidiano de onde só pod(er)ia evadir-se através do Sonho e pelas ruas dos acasos que ligam tudo a todos.

Devido ao seu caracter intimista, independente, Baptista Cepellos

cada vez mais acabrunhado, só pensava

em morrer (...), vagueava pela cidade,

sem destino, à procura de um pouco de

paz para a sua alma agitada,

como escreveu a (sua) biógrafa Maria Isabel

Germano (in Um Nome Na Areia, Clube do Livro, SP/1962).

Aquele roteiro sentimental de um sonhador, de que falava Mello Nóbrega referindo-se a Baptista Cepellos e sua Obram esvaía-se aos poucos anunciando a tragédia que iria acontecer...

A força da Luz que o impelíu a ser um escritor de méritos reconhecidos por quem de direito, também o impedíu (eis aqui o seu orgulho) de pedir auxílio...

Ía vendendo seus livros de porta em

porta, pois que tinha aluguel e comida

para pagar

como contou Afonso Schmidt. Podemos

admitir, porque é certo, que o autor de Les Fleurs Du Mal, o mais mais que discutido Baudelaire, não deixou de induzir no espírito inquieto do paulista de Cotia a chama da revolta íntima, que em muitos casos alimentou e alimenta a força da Criação,

mas como Baptista Cepellos, deambulando pelas esquinas da cidade boêmia,

dificilmente se deixaria dominar pelo espírito literário de outros, apenas a fragrância da coisa nova lhe tomou o Tempo e a Arte. Realmente, ele era já o escritor na plenitude da Obra conseguida. O que não significa que um homem realizado: a vida amorosa e profissional deu-lhe aquele sabor d'amargura que aniquila qualquer um

...já o azul do Sonho não se reflete num lago de magia, nem tampouco as coisas literárias lhe dão o ânimo d'outrora,

e começa o drama do ser a tornear as questões filosóficas para o fazer sair da frieza do naturalismo e ingressar na mística relação da Luz íntima com a cósmica.

Aquele que no poema São Paulo Antigo mitificou a Sampa romântica, a das coisas do belo e da descoberta, a do Amor...

Um pálido lampeão ao longe brilha;

Range uma portinhola e, ao mesmo instante,

Escorrega uma sombra de mantilha...

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Uma canção de amor, um sonho leve,

Enche de languidez a noite fria...

aquele poeta da juventude desenfreada,

sentia já não a sorte da luxúria dos corpos dados ao Prazer, mas a ressurreição, em si mesmo, do lado místico da Vida; um regresso, não ao primitivo, não ao analfabeto social e político, mas à pujança da variante cósmica vivida por Cristo e vertida pela Luz no íntimo de cada Ser.

Se uns vivem essa Luz tão logo a percebem na ação do Bem ou do Mal, Baptista Cepellos viveu-a sempre sob o prisma de um aprendizado crítico, até se convencer da miserabilidade material que nos rodeia e, mais uma vez, eis-nos visitando

as veredas de Baptista Cepellos.

Aquele, o naturalmente romântico escritor d'Acutia paulista.

Este urbano (e digo urbano porque ele se inibia de penetrar na longa floresta, apesar de ter nascido no território da aldeia carijó Acutia, e por onde passaram Fernão Dias Paes, Raposo Tavares e outros), enchia os pulmões de ar puro mas não tomou contato direto com a fonte que lhe era chão-berço. Ele teve uma evolução criativa idêntica à de Machado de Assis, já que ambos sentiram de perto todas as escolas literárias e políticas da época, mas souberam, apesar disso, trabalhar estilos próprios - e, no caso machadiano, influenciar outras correntes...

A última fase de Baptista Cepellos teria sido uma fase verdadeira ou um fingimento poético? Parece-me que não. Aqui, e não devemos confundir isto com o caso pessoano, está em causa o aspecto filosófico vivido no drama individual, drama não multiplicado em Outros mas vivido somente no Eu. A carga psicológica transportada e realimentada pelo escritor após a perda de Sofia atuou, nos últimos tempos, como uma energia negativa remanescente e, ao mesmo tempo, propiciadora de uma corrente mística...

Baptista Cepellos acabava de encontrar na filosofia cristã a paz de espírito que lhe acendia a ressurreição do Eu tão magoado pelas circunstâncias sociais e, paralelamente, assim parece ter sido... o amplo espaço azul do Sonho que sempre acalentara alcançar

naquele limiar supostamente escondido

para lá da longa e alta floresta que, afinal, o vira nascer, dar os primeiros passos e seguir uma carreira jurídica e militar (como advogado e como capitão).

A importância do poeta, romancista e contista de Cotia foi tal que por várias vezes concorreu a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras; ora, bastaria isto para o colocar entre os grandes nomes das Letras brasileiras e o estudar nessa dimensão cultural e intelectual.

A criação do Belo orientou-lhe grande parte da Vida,

esperemos que as novas gerações de brasileiros de Cotia, de São Paulo e de toda a União, saibam buscar nessa Luz vivificante o espírito criativo e

as veredas de Baptista Cepellos!

Baptista Cepellos
O poeta do drama brasileiro
por João Barcellos

 

 


 
   

Idealizado por:
CRISTINA OKA & AFONSO ROPERTO©
Última atualização: 15 February, 2002