Num sereno collar
de agua limpida e pura
A formidável Luz
que nos assinala o caminho do Bem ou o caminho do Mal está
sujeita a uma carga psicológica que todos transportamos em
nosso subconsciente. É esta mesma Luz que transforma o Ser
Humano em instrumento de Arte,
instrumento capaz
de, mesmo sob o efeito do Bem ou do Mal, criar o Belo
e, também por
isso, capaz de se multiplicar!
O lado místico
de um Ser analfabeto interpreta o Bem e o Mal de um jeito
único, levando a maioria das vezes essa posição abstrata à
dimensão de uma mítica realidade cotidiana; assim, o endeusamento
da percepção do abstrato funciona como uma mola - é aquela
Luz num outro sentido. Já o Ser alfabetizado trilha o mesmo
caminho, mas uma minoria o faz como se fora uma bandeira crítica
a desbravar novos valores a partir daí.
Situando-nos na
Obra literária de Baptista Cepellos, verificamos que
este havia sentido a força abstrata da Luz mas que não caminhara
facilmente pelo rasgo iluminado pela mesma; se essa luminosidade
é um Todo psicologicamente penetrável ou, no mínimo, compartilhável
no nível da experimentação da Vida, em suas ações criativas,
o escritor quis saber o como e o porquê da linha fronteiriça
exposta assim diante de si mesmo; ele - o escritor, não quis
ser como todo o mundo, quis interpretar o simbolismo vivo
desse limiar entre a ação de Nascer, Viver e Morrer; por isso,
podemos dizer que existiram
as veredas de
Baptista Cepellos,
porque o escritor,
que foi poeta e romancista e contista, situou-se no nível
da fecundidade psicológica e literária utilizando-se como
instrumento de arte da própria Vida - isto é: ele viveu
a imensidão da Alma e do Sonho caminhando em várias direções.
Se neste ilustre
homem das letras (que os brasileiros de hoje pouco
estudam, ou simplesmente desconhecem) podemos encontrar o
subjetivismo do simbólico, aí não se caracteriza ainda a escola
simbolista, a pesquisa do homem sensível que, tendo
colhido no objetivismo da forma pura (do parnasaísmo)
outra vertente, entendeu a força da Vida sem cair no decadentismo
de apuros abusivos e viciados da forma: o poeta e romancista
e contista soube tornar-se conhecido pelo Brasil mercê de
um estilo próprio. Tanto que o insuspeito Olavo Bilac,
em prefácio à famosa edição das poesias d'Os Bandeirantes
(Est. Tip. Fanfulha, SP/1906), concluía que
Apregoar
o nome de um poeta, de um
verdadeiro
poeta, - não é satisfação que seja
todos
os dias concedida a um escriptor.
Lendo
os versos (...) tive um dos mais
intensos
prazeres de minha vida: senti-me
em
contacto com um espirito creador e original
dando a entender
que, definitivamente, Baptista Cepellos estava na galeria
dos grandes nomes das Letras Brasileiras e da Língua
portuguesa, sob o aplauso, ainda... de ilustres intelectuais
e críticos como Araripe Jr., João Ribeiro ou Walter N. Silva.
Também, e aqui sob uma nítida influência eciana - talvez
a mais profunda na Obra -, ele traçou a linha romântica
da ficção; no entanto, lendo com atenção o romance O
Vil Metal (Livr. Cruz Coutinho, RJ/1910), encontramos
o rastro da ambiguidade própria de quem procura algo mais
do que um simples viver. O paulista de Cotia colocou na
prosa o romântico e o naturalista, isto n'O Vil
Metal e na coletânea de contos Os Corvos (Anésio
Azambuja & Cia, SP/1907). Não fora a morte ter madrugado
e este escritor seria hoje um dos mais procurados autores
lusófonos... Ilustrando o lirismo e a frieza natural
do prosador, veja-se como ele define a luxúria mental e corruptora
do bacharel Zeferino de Seixas, um dos personagens
d'O Vil Metal: ...e vestia com lamentável deselegância
umas roupinhas tão escassas que parecia ter havido miseria
de panno. Mas nos dias de representação e de luxo transformava-se:
punha frack desengonçado, engraxava os sapatos..., etc.
Ou, n'Os Corvos, quando nos diz que
O
escriptor que implacavelmente
rebusca
o triste segredo das almas,
acaba
por ficar com a sua própria
alma
combalida de scepticismo.
Sem dúvida que
se expunha, falava d'ele-mesmo para que outras gerações pudessem
entender o porquê da psicologia que atravessa(va) toda a sua
Obra.
Não fosse a mania
que alguns críticos literários tinham e têm de barrar este
ou aquele, num processo de simpatia inerente a todos os animais
(mas mais apurado no Ser Humano, que sabe usar o Poder para
destruir a ascenção de outros iguais, ou melhores...), e Baptista
Cepellos teria alcançado com as poesias d'Os Bandeirantes
- ou somente com o poema São Paulo Antigo! - uma posição
de príncipe entre a geração que sistematizara, com o inigualável
Machado de Assis, a Cultura nascente brasileira.
Precisamente n'Os
Bandeirantes (no poema Palmares) três versos definem
a essência do Brasil em luta por si mesmo:
...luctai
até morrer na lucta,
Porque
a morte é melhor que o infernal
captiveiro!
Definição esta
que se coaduna com a visão do mundo que o escritor alimentava
desde o seu livro primeiro - o poemeto A Derrubada
(Bento de Sousa, Editor, SP/1896) -, uma visão de frieza
naturalista às vezes banhada de um certo sentido romântico;
idêntica, aliás, à do poema Panorama Agreste, também
d'Os Bandeirantes....
Logo
pela manhã, tomo o chapéu e saio...
Não
tenho direção: ponho-me estrada fóra,
E,
alargando os pulmões aos bafejos de maio,
Respiro
com delícia o bom cheiro da flora.
E quem mais poderia
agir e se expôr assim
senão um artista
da Vida?
Só um Ser que
sabe ter Luz para fazer o bem ou o Mal pode se confrontar
com essa Luz na busca daquela Cor -, aquele Algo cerebral,
aquele espetro do Todo.
É nesta perspectiva
social e natural, dir-se-á ecológica (e por que não?), sim,
que (...) Baptista Cepellos, escrevi eu sobre ele, não
era mais do que um Ser prostrado entre as cores magnificas
e a Luz ofuscante, mas vivificante, da Natureza... que vamos
encontrar grande parte da força do poeta.
Sem dúvida que
o objetivismo parnasiano traçou nele a amplidão da
busca; mas a este sentimento se juntou o espiritualismo,
e da ambiguidade nasceram formas novas fazendo de
Baptista Cepellos
um dos mais importantes - senão o mais importante, na época!
- precursores da poesia social e de raiz. E, com isso,
se projetou psicológica e filosoficamente como um brasileiro
disposto a ser Brasil e a ser Ele-mesmo enquanto Ser sensível
capaz de expressar
O
espectaculo mais triste que se pode
observar
debaixo do sol é este mizerável
encadeamento
que existe
entre
a vida e a morte!
Engajar a figura
e ele foi mesmo
um caminheiro-de-figura-triste, após a morte da amada Sofia,
filha do senador
Peixoto Gomide - que a matou, suicidando-se de seguida
do paulista de
Cotia em um espectro
niilista, como
alguns fizeram, não é correto. O escritor, que conhecia
de perto a tragédia humana, mas também a comédia da
mesma (recorde-se que ele viveu a época da problemática
mistico-política de Canudos, desenvolvia a sua própria
tragédia - a tragédia íntima, mais tarde colocada sutilmente
na dramaturgia poética Maria Madalena (drama encenado
11 vezes no Rio de Janeiro, em 1915).
Amar
é padecer. O amôr é um sofrimento.
Quem
não sofre não ama...
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Só
passa pelo mundo, estéril como o vento,
E
não deixa memória e não deixa saudade!
Escreveu, como
se o seu drama fosse alma gêmea
daquel'outro existencial
encarado pelo português Mário de Sá-Carneiro, outro poeta
para quem a memória estava a cima das coisas mesquinhas,
suicidando-se ao som de latas e piruetas de palhaços num hotel
de Paris... Aliás, a vida de ambos é muito parecida na busca
cultural do limiar que é viver, livremente, por um sonho.
Mas, enquanto M. Sá-carneiro não se conteve à porta do niilismo
(ele foi provar a amargura do Nada), Baptista Cepellos
ficou somente pelo triste caminhar procurando forças na
Luz para continuar nas veredas íntimas e intelectuais
que escolhera,
e como não há
a certeza de que o poeta se suicidou, naquele
dia 8 de Maio
de 1915, no Rio de Janeiro, embora a sua
escrita aponte
psicologicamente para um ato final de memória
-, e talvez
em homenagem à sua amada Sofia!,
resta-nos interpretar
a sua Vida e a
sua Obra sob o
prisma da mente criativa. Em sua Obra ele não praticou
o niilismo, deixou sempre exposta a nostalgia amorosa
e uma tristeza que lhe parecia perene fisicamente, mas
que
não o inibia como
criador
(...), um desses
orientadores que sabem aparar as arestas
crispantes da
primitiva inexperiência dos neófitos literários
como escreveu Walter
Nogueira da Silva
(in Anhembi, sep.,
SP/1961). Note-se, entretanto, como dois anos após a morte
da amada Sofia o escritor foi capaz de produzir o O Homem
Que Pensa (um dos poemas de Vaidades, Laemmert
& Cia, SP-1908):
Feliz
o homem que pensa, e larga as velas,
Como
um navio, balouçando os mastros,
E
a mente, vencedora das procellas,
Ergue
até às nuvens, dominando os astros!,
um hino à Vida
cerebral, aquela que um
outro contemporâneo
d'além-mar, o português Fernando Pessoa, tanto defendeu na
(sua) criação literária.
É muito difícil
definir, ao contrário do que pensa(va)m alguns - e entre esses
alguns o fizeram/fazem levianamente - a vertente do Nada
no caminhar cívico e cultural de Baptista Cepellos; ele procurou
não o Nada, ou a redução ao Nada, mas a efetivação do Todo
na plenitude humana que sabia carrear. O testemunho de
Walter N. Silva, seu amigo, é disso um exemplo: tinha uma
noção enérgica de independencia individual! Preferia sofrer,
a depender de alguém.
O caracter forte
do poeta e contista e romancista de Cotia revela-se também
num aspecto particularíssimo dos seus passos: ele desejava
a Natureza tal como ela se apresentava, assim como
Uma
fonte, a cantar, crystalina rebenta,
E
vai-se desatando, através da espessura,
Num
sereno collar de agua limpida e pura
mas, ele não compreendia
por inteiro essa
Natureza, e o poemeto
A Derrubada, ao qual os críticos prestaram pouca atenção,
infelizmente, é o canto psicológico de um Ser Humano que
acata a naturalidade anarquista das coisas mas se sente inibido
para nelas penetrar, preferindo armar o cérebro para a estampar
num painel poético de ordem ambígua, porém profundamente criativa,
na reestruturação do Belo - essa, a reestruturação da Vida
dos sós. Assim, pensar em Baptista Cepellos após
a leitura dos seus livros, é pensar nessa reestruturação,
que ...só pode ser um inferno incrivelmente mantido pelo
esotérico sentido de uma fanática visão ou por uma filantropia
e só porque a dificuldade da vida está mesmo em saber tornear
o só balançando o ser pelas ruas dos acasos que ligam tudo
a todos, como escrevi em Estórias Poéticas (Oficina
Letras & Artes, RJ/1988)... Esta particularidade íntima
do escritor estende(u)-se à natureza humana: ao não interpretar
totalmente a
cor e a palavra nativas, por exemplo, ele revelou simplesmente
a imagem captada do Brasil, ora sentimental ora naturalmente
tropical, ou rude; com isso, Baptista Cepellos
não julgou a História, somente colocou-se diante da História
e estampou-a cruelmente, como por essa época também o
fazia Machado de Assis. Fez como que a aquarela de um objeto
observado de relance, mas que tocou fundo a alma, uma vez
que para ele bastava o toque superficial para ensaiar a
criatividade onírica em torno de um objeto; como no poema
As Árvores (d'O Cysne Encantado, Tip. a Vapor
Vanordem & Cia, SP/1902):
Vinde
poisar à fresca destes ramos,
Falai-me
de outros céus e outros paizes.
Pobre
de nós, que, para sempre, estamos
Vinculados
ao chão pelas nossas raízes!
no qual podemos
observar o ponto principal da sua
incompreensão face
à Natureza. De tal modo era extensiva à Humanidade a questão
da árvore sitiada, que os versos não deixam de simbolizar
o Ser sitiado e desligado do Cosmo - que era ele mesmo.
Ele, o escritor, preso à cadeia dos acontecimentos do cotidiano
de onde só pod(er)ia evadir-se através do Sonho e pelas
ruas dos acasos que ligam tudo a todos.
Devido ao seu caracter
intimista, independente, Baptista Cepellos
cada vez mais
acabrunhado, só pensava
em morrer (...),
vagueava pela cidade,
sem destino,
à procura de um pouco de
paz para a sua
alma agitada,
como escreveu a
(sua) biógrafa Maria Isabel
Germano (in Um
Nome Na Areia, Clube do Livro, SP/1962).
Aquele roteiro
sentimental de um sonhador, de que falava Mello Nóbrega
referindo-se a Baptista Cepellos e sua Obram esvaía-se
aos poucos anunciando a tragédia que iria acontecer...
A força da Luz
que o impelíu a ser um escritor de méritos reconhecidos
por quem de direito, também o impedíu (eis aqui o seu orgulho)
de pedir auxílio...
Ía vendendo
seus livros de porta em
porta, pois
que tinha aluguel e comida
para pagar
como contou Afonso
Schmidt. Podemos
admitir, porque
é certo, que o autor de Les Fleurs Du Mal, o mais mais que
discutido Baudelaire, não deixou de induzir no espírito
inquieto do paulista de Cotia a chama da revolta íntima, que
em muitos casos alimentou e alimenta a força da Criação,
mas como Baptista
Cepellos, deambulando pelas esquinas da cidade boêmia,
dificilmente se
deixaria dominar pelo espírito literário de outros, apenas
a fragrância da coisa nova lhe tomou o Tempo e a Arte.
Realmente, ele era já o escritor na plenitude da Obra conseguida.
O que não significa que um homem realizado: a vida amorosa
e profissional deu-lhe aquele sabor d'amargura que aniquila
qualquer um
...já o azul do
Sonho não se reflete num lago de magia, nem tampouco as coisas
literárias lhe dão o ânimo d'outrora,
e começa o drama
do ser a tornear as questões filosóficas para o fazer sair
da frieza do naturalismo e ingressar na mística relação da
Luz íntima com a cósmica.
Aquele que no poema
São Paulo Antigo mitificou a Sampa romântica, a das
coisas do belo e da descoberta, a do Amor...
Um
pálido lampeão ao longe brilha;
Range
uma portinhola e, ao mesmo instante,
Escorrega
uma sombra de mantilha...
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Uma
canção de amor, um sonho leve,
Enche
de languidez a noite fria...
aquele poeta da
juventude desenfreada,
sentia já não a
sorte da luxúria dos corpos dados ao Prazer, mas a ressurreição,
em si mesmo, do lado místico da Vida; um regresso, não ao
primitivo, não ao analfabeto social e político, mas à pujança
da variante cósmica vivida por Cristo e vertida pela Luz no
íntimo de cada Ser.
Se uns vivem essa
Luz tão logo a percebem na ação do Bem ou do Mal, Baptista
Cepellos viveu-a sempre sob o prisma de um aprendizado
crítico, até se convencer da miserabilidade material que
nos rodeia e, mais uma vez, eis-nos visitando
as veredas de
Baptista Cepellos.
Aquele, o naturalmente
romântico escritor d'Acutia paulista.
Este urbano (e
digo urbano porque ele se inibia de penetrar na longa floresta,
apesar de ter nascido no território da aldeia carijó Acutia,
e por onde passaram Fernão Dias Paes, Raposo Tavares e outros),
enchia os pulmões de ar puro mas não tomou contato direto
com a fonte que lhe era chão-berço. Ele teve uma evolução
criativa idêntica à de Machado de Assis, já que ambos sentiram
de perto todas as escolas literárias e políticas da
época, mas souberam, apesar disso, trabalhar estilos próprios
- e, no caso machadiano, influenciar outras correntes...
A última fase de
Baptista Cepellos teria sido uma fase verdadeira ou
um fingimento poético? Parece-me que não. Aqui, e não devemos
confundir isto com o caso pessoano, está em causa o aspecto
filosófico vivido no drama individual, drama não multiplicado
em Outros mas vivido somente no Eu. A carga psicológica transportada
e realimentada pelo escritor após a perda de Sofia atuou,
nos últimos tempos, como uma energia negativa remanescente
e, ao mesmo tempo, propiciadora de uma corrente mística...
Baptista Cepellos
acabava de encontrar na filosofia cristã a paz de espírito
que lhe acendia a ressurreição do Eu tão magoado pelas
circunstâncias sociais e, paralelamente, assim parece
ter sido... o amplo espaço azul do Sonho que sempre acalentara
alcançar
naquele limiar
supostamente escondido
para lá da longa
e alta floresta que, afinal, o vira nascer, dar os primeiros
passos e seguir uma carreira jurídica e militar (como advogado
e como capitão).
A importância do
poeta, romancista e contista de Cotia foi tal que por
várias vezes concorreu a uma cadeira na Academia Brasileira
de Letras; ora, bastaria isto para o colocar entre os grandes
nomes das Letras brasileiras e o estudar nessa dimensão cultural
e intelectual.
A criação do
Belo orientou-lhe grande parte da Vida,
esperemos que as
novas gerações de brasileiros de Cotia, de São Paulo e de
toda a União, saibam buscar nessa Luz vivificante o espírito
criativo e
as veredas de
Baptista Cepellos!
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