Um passarinho,
num gorjeio rico,
atravessando o céu, de asa em cruz,
Parecia levar, presa no bico,
Uma orquestra de luz!...
O poeta da terra.
Não que Baptista Cepellos
tivesse algum culto relacionado ao naturalíssimo berço que
nos suporta a física Existência. Não. Ele foi
o poeta da terra
pelo cântico necessário de
um Eu em diáspora intelectual. Ele foi o Ser na busca
do próprio Eu, e os seres vivos que além dele povoa(va)m a
Terra davam-lhe a sinalização dessa emergência que é o viver
cada instante na poesia burilada no inconsciente pelo choque
exterior.
A vivência na Aldeia Acutia
deu-lhe imagens que ao longo dos percursos, entre a vida
jurídica e a vida militar, necessariamente retornariam pelo
estádio onírico. Aquilo que é a celebração da memória
transformou-se em ato capital na Escrita Cepelliana.
Nas linhas e entrelinhas dos textos, em prosa ou em verso,
a Terra ressurge como aquilo que aí está mas que não se
vê porque o sonho se sobrepõe criando novas imagens que, no
fundo, são a repetição poética da telúrica particularidade
que somos no Cosmo. Por mais distante que estivesse da
sua Aldeia Acutia o poeta jamais a esqueceu; seria
lutar contra si mesmo e a Natureza que o fez poeta.
A presença da terra na Escrita
Cepelliana é a celebração divina do humaníssimo e precário
estar sujeito a...
A sua poesia mais profunda foi
uma poesia tomada da terra, essa terra que, além do chão,
foi para ele o espectro espiritual de onde tirou a Luz que
o fez suportar a escuridão que o cotidiano social tantas vezes
lhe quis dar!
A análise social que cabe neste
percurso cultural é a da perspectiva do desenvolvimento
da própria terra que foi leito do poeta que lhe soube
cantar as fragrâncias. Não há como estudar Baptista Cepellos
sem conhecermos Cotia que foi a sua moradia, como foi
dos antigos nativos oriundos da Amazônia. E, estudar Baptista
Cepellos é estudar a Acutia que foi Cuty e é Cotia,
é saber de uma época, é descobrir as palavras que faziam a
amizade e diziam do amor de então, ou do comércio que a própria
palavra induzia. Assim, falar do Poeta d'Acutia é falar
de uma terra que foi parte importante na história bandeirante
que ele mesmo cantou. Baptista Cepellos foi o cotiense
que exaltou a São Paulo das conquistas para elogiar
e amar o Brasil, sabendo que da Cultura portuguesa nascia
já a Cultura brasileira...
...a obra creada
palpita, cheia do sangue
e da vida do
homem que a fez
nos diz ele n'Os Corvos,
para mostrar como
é possível ser simples e grande
na hora de servir a terra e a pátria, através da Arte!
Cotia sempre foi um pólo
agrícola. Ao tempo do poeta, entre os Séc 19 e 20, nem a diáspora
nipônica havia ainda assentado direito arraiais na região;
a mesma que servíu às Bandeiras com gentes e víveres,
e às vezes como alto (ou pouso temporário). Desde que Fernão
Dias Paes mandou erguer a Capela em honra de Nossa
Senhora de Monte Serrat, no Séc 17, como beneditino que
era (e trato aqui do Fernão que era sobrinho do juíz do mesmo
nome), Cotia recebeu toda a doutrina cristã ocidental
que havia impregnado e ressuscitado templária Ordem de Cristo,
e com a qual os portugueses chegaram à Insulla de Brazil.
Deste ambiente rural-religioso nasceu Baptista Cepellos,
e a ele não pod(er)ia ficar imune - e, muito menos, à história
da expansão imperial na qual a região esteve presente.
Seria muito estranho que o Poeta d'Acutia não tivesse
na memória todo o cântico luso-brasileiro, e depois (já no
seu tempo) brasileiro, mas ainda um espaço onde a escravidão
baila como teste aos novos tempos da Humanidade...
Negros! (...)
Com que santa
nobreza
Sofrem, quase
contentes,
A injustiça
cruel da natureza!
Eis como ele não esqueceu
essa terra cujas moradias senhoriais
eram feitas pelos escravos e como dos escravos chegava a comida
às mesmas casas.
A realidade, ou a cotidianeidade
vivida aqui, está na Escrita Cepelliana como um leve
hino memorial. Por vezes, nem tão superficial assim...
De que nos
servem êsses rios leves,
Num regaço
de mãe tão carinhosa,
Se os minutos
da infância são mais breves
Que a sombra
de uma nuvem côr de rosa?!
O caminhar literário de Baptista
Cepellos - de índice poético alto no estágio de uma criação
de envergadura e em que o conhecimento intuitivo tinha grande
valor - teve na reação à ordem mecanicista, principalmente
n'O Vil Metal, um toque de classe individual e místico,
como já acontecera com Cruz e Sousa ou Guerra Junqueiro. Aqui,
também o padre e político Diogo Feijó (filho de uma
cotiense com um padre) foi um homem voltado para os interesses
da Liberdade individual e da Independência do Brasil.
Mas, retorno ao Poeta d'Acutia...O valor material,
assim como o futuro, tinham pouca importância para ele. O
poeta vivia a Vida e se defendia dos obstáculos que
ela mesma lhe colocava. O caminhar por ele iniciado transportou-o
do naturalismo ao simbolismo como passagem para
o cristianismo
O que é da
poeira há-de voltar à poeira;
Mas, eu vim
de meu pai, nêle persisto
E nêle viverei
a vida inteira.
Sem dúvida, ele observou, das
florestas paulistas à urbanidade carioca, as vicissitudes
de uma vivência de contrastes; tornou-se, então, o Ser-poeta
carregando o fardo que sobrevivia a uma mente em morte gradativa.
Ele - ou a (sua) mente - sabia que para estar e ser é necessário
sobreviver no intercâmbio de entre tudo e todos, pois, de
outra maneira, ninguém progride cercado por uma Humanidade
tão cheia de ciladas e sugestões anti-Vida. Afirmando-se
como escritor ele provou ser forte no meio das intrigas
das élites intelectuais ganhando o respeito de intelectuais
como Olavo Bilac, Araripe Jr ou Afonso Schmidt. Nem revoltado
nem um vencido da Vida, Baptista Cepellos foi a
síntese de um Ser experimentado que ousou viver a Vida ditando
as suas próprias regras e olhando o Todo com cara de pau,
depois de ter transposto as barreiras físicas e psicológicas
que lhe couberam...
A solidão que impôs a si mesmo
proporcionava aquele sabor telúrico imprescindível ao ato
de criar diante e na naturalíssina anarquia cósmica, muito
embora Baptista Cepellos sempre aprimorasse a sua estética
literária.
O apokalipsis judeo-cristão
não lhe tomou a consciência. Pelo contrário: o poeta parecia
trilhar mesmo os caminhos da vida nativa - mesmo longe da
aldeia carijó... - ao considerar que o Hoje é já o Amanhã,
porque o que nasce hoje é fruto de uma semente revolucionada
por um
futuro próprio. O fim do mundo,
ou dos tempos, que sempre é uma imagem que surge nas almas
flageladas pelos pesadelos sociais, foi uma visão que não
incomodou o poeta; e se algo surgíu foi o autêntico desvendar
(apokalipsis) do próprio Eu cantando o divino Estar.
Ao escrever Maria Madalena o poeta-dramaturgo se descobríu
como elemento nas linguagens da filosofia do Estar judeo-cristão
se lhe beber o messianismo... A sua alma não estava à venda:
Maria Madalena foi o encontro desvendado com
Deus - aquele Deus interior, o do primitivo cristianismo que
celebrava o Ser Humano através do Amor e da Fraternidade!
O poeta da terra vivia o pó ao
qual, sabia, não era indiferente: o pó que tantas vezes lhe
recebeu as primeiras poesias nas ruas e pracinhas d'Acutia
paulista.
Pelos versos d'A Derrubada
encontramos o mais íntimo e profundo Poeta d'Acutia
porque a sua ligação com a terra é visceral.
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