os
poetas acutienses
Na morte tudo desaba:
Mas grita o germen do ovo:
Depois que tudo se acaba,
Tudo começa de novo!...
Há um Corpo e há uma Alma,
e além disso há uma Terra que circula no Cosmo.
A flor se renova em seu ciclo de nascimento, vida e morte.
Mas há, também, a árvore e a mata que a seca destrói, ou que
o fogo destrói igualmente. Esta imagem do ciclo do viver
era muito forte na sensibilidade de Baptista Cepellos,
por isso ele buscou estabelecer um sistema intelectual - ou
melhor, talvez espiritual - entre o seu Eu e as Coisas.
Transportando uma Alma através
de um Corpo vacilante no atrito com a Natureza, a atenção
do escritor estava no Deus que ele sentia em si-mesmo.
Gritavam-lhe as entranhas: Eu sou Ele!...E por isso Existo.
Mas sei que Ele existe além de mim entre o Nada e o Todo que
o ciclo da renovação mostra no simples ovo, na semente, ou
no embrião da gente...
Sabia, de Cruz e Sousa,
nascido n'Acutia catarinense, que há uma
Pompa de carnes
tépidas e flóreas,
braços de estranhas
correções marmóreas,
abertos para
o Amor e para a Morte
e, como poucos intelectuais,
veio a conhecer este
percurso em que as
...as carnes
se dilaceram
e vão, das
Ilusões que flamejaram,
com o próprio
sangue fecundando as terras
que (nos) diz muito dos povos
nativos cujas trilhas de vivência foram abertas com o sonho
cristalizado da Fraternidade e com o sangue bravo de se saberem
algo mais que simples seres... Sabiam do Bem e o propagavam
na sua diáspora. Quando se fala de Cruz e Sousa ou
de Baptista Cepellos não se pode esquecer os nativos
Carijó - aqueles que sairam da Amazônia e, com a sua Acutia
às costas, foram para Santa Catarina, Paraná e São Paulo,
sempre reverenciando a Acutia-mãe... Não bebe(ra)m os dois
poetas acutienses no mesmo espírito da bravura e se
fizeram, aí, guerreiros espirituais da Literatura brasileira?
Sabemos, como afirma o professor
Manuel Reis (in Crítica Necessária a José Saramago,
p.113, Estante Editora - Portugal/1992), que ...há (...)
princípios da básica condição humana, que estão na origem
da caracterização positiva da chamada Civilização ocidental
cristã e sua especificidade, os quais, na realidade, não temem
confronto com os pródromos de outras civilizações, e nesses
princípios está o indivíduo-pessoa: ...o ser humano (...)
dotado, essencialmente, de vida interior e vida exterior.
O indivíduo afirma-se na vida social por motivação própria
e em resultado de valores, que internamente aceitou e assimilou
(idem, p.114); ora, aqui está o espírito que encorpou
culturalmente os dois poetas acutienses. E, interessante,
os dois não se fecharam nesse ciclo: souberam encontrar as
alternativas íntimas e se impuseram às próprias circunstâncias
desbravando as características sociais para afirmarem o valor
da Fraternidade que cada indivíduo transporta, mesmo inconscientemente!
Sorri homem, sorri.
Que o teu sorriso é a gênese
do Todo,
Qual floresta virgem. Não
digas "perdi",
Diz da emoção que és; joga
no lôdo
A tristeza vil. E ri de ti.
Homem, tu és o continente
e o gôzo!
Neste meu poema, de 1992, publicado
em jornais e revistas, exalto esse íntimo poder de cada
ser no eixo do estar-sendo; e por ele recordo os percursos
dos dois poetas acutienses: ambos souberam do pesadelo
de ter o Mal por vizinho e se aperceberam do interior e
do exterior que eram - aí, buscaram o Bem através de
uma Obra cultural que os deixou além da bélica existência
que atormenta muita gente. A paz era o alvo de Cruz e Sousa
tal como de Baptista Cepellos: a paz foi o alvo dos
senhores d'Acutia que no Séc 16 receberam a Civilização
ocidental cristã. Estes dois poetas conheceram a tristeza
vil, conheceram a emoção da realização do Eu e, por fim, riram,
ao encontrarem a Luz divina que cada um era...
O sonho transcendental era
uma possibilidade e estava em Baptista Cepellos; encontrámo-lo
mais vivo n'A Derrubada, o seu hino à ecologia humana.
Também, a poética onde ele está mais inteiro porque nela está
a força do seu querer estar e ser.
A plena cidadania estava
tão inteira no poeta d'Acutia paulista quanto a sua
criação poética. Lembro que no Sorriso Interior, o
grande Cruz e Sousa fala(-nos) d'o ser que é ser,
aquele que, no dizer de Baptista Cepellos está acima
d'O Vil Metal e se reeencontra espiritualmente com
o Todo fraternalmente cósmico. O professor Fidelino de
Figueiredo, no seu Últimas Aventuras, ensina que
existem plataformas de encontro do escritor com o seu público
quanto ao gênero; neste caso, digo eu que Baptista Cepellos
estava preocupado com o seu público - isto é: com fazer o
Bem para engrandecer a sua alma. De porta em porta este
escritor ía vendendo os seus livros porque o hoje tinha/tem
de ser vivido na plenitude do exercício da cidadania.
O crítico João Ribeiro,
um dos que analisou profundamente a Escrita Cepelliana,
registrou o seguinte: em tudo há um enigma e em tudo se
requere uma explicação (in Páginas de Estética). A sua
aventura pelo que produzíu literariamente Baptista Cepellos
foi a descoberta de um escritor cujo talento nem precisava
ser dito; pois, como dizia Olavo Bilac (in Sinfonia),
entre flautas e oboés, na inquietação da tarde, lá
estava o poeta da boca-de-sertão paulista cantando o Tempo
pela palavra onde a estética humana se encontrava na própria
diversidade do Espaço.
Cantando Depois que tudo se
acaba,/ Tudo começa de novo!... ele deixa(va) para a leitura
dos outros a chave que permitia a interpretação da sua espiritualidade.
E era tão forte a chama da
cidadania no poeta de Cotia que o seu poema São Paulo
Antigo é disso um flagrante:
Minha terra
famosa como Athenas,
Ninho altíssimo
de águias e condores!
Doce pátria
das lânguidas morenas,
De Bandeirantes
e Conquistadores!
Filha de Anchieta
a balbuciar no seio
De soturnas
muralhas religiosas,
Foi teu bêrço
uma igreja, erguida em meio
De virentes
palmeiras acenosas...
Assim nasceste
nesses tempos idos,
Quando, pelo
sertão metendo a testa,
Catequistas
e infantes aguerridos
Marinhavam
no oceano da floresta.
Daqui, na irradiação
de um sol a pino,
Teu gênio se
espalhou de sul a norte;
E, ao progresso
imortal erguendo um hino
Fundavas um
país imenso e forte!
Extinta geração!
Homens d'antanho,
Cuja fama,
sem mácula, nos chega!
Infelizmente,
êste servil rebanho
Nem pode compreender
vossa alma grega!
Enfim, é sempre
doce e confortante
Recostar a
cabeça pensativa,
E ver passar,
num sonho deslumbrante,
Uma gloriosa
imagem reditiva...
Evoquemos,
portanto, a Paulicéia
Daqueles dons
senhores arrogantes,
Cujos nomes
preclaros dão idéia
De um sangue
azul em pulso de gigantes!
São Paulo dos
violões de rua em rua,
Soluçando uma
toada merencória...
E Castro Alves
gritando, à luz da lua:
"Oh, Liberdade!
Oh, Ponte Grande! Oh, Glória!
Cidade parnasiana!
Moços poetas,
De basta cabeleira
desgrenhada,
Ficam, de sob
as gelosias quietas,
Cantando o
nome da mulher amada!
E Álvares de
Azevedo, sôrvo a sôrvo,
Bebendo o "spleen"
de uma tristeza eterna,
Frequënta a
cova lôbrega do "Corvo",
Onde imagina
as "Noites na Taverna".
Cidade dos
estudantes, gravemente
Sobraçando
um mação de leis antigas,
De dia - atentos
à lição do lente,
De noite -
em serenatas e cantigas...
Oh! Cidade
de boêmios pitorescos
Envolvidos
em capas e mistérios...
Vultos que
notambulam, donjuanescos,
Através de
jardins e cemitérios...
São Paulo da
garoa peneirante:
Um pálido lampeão
ao longe brilha;
Range uma portinhola
e, ao mesmo instante,
Escorrega uma
sombra de mantilha...
Uma canção
de amor, um sonho leve,
Enche de languidez
a noite fria...
Nisto, se abre
uma rótula, de leve,
E um claro
rosto de mulher espia...
Então, meiga
Cidade da pureza,
Sôbre a colina,
como um lírio branco,
Eras um bêrço
de ouro, uma beleza:
Ruas tortas,
casinhas de barranco...
Hoje, São Paulo
meu, não há terreno
Que te baste,
no ardor com que te expandes...
Mas, ai! quanto
tu fôste assim pequeno,
Como os teus
grandes homens eram grandes!
Através deste poema Baptista
Cepellos afirmou toda a sua raiz paulista; a sua consciência
de cidadão ativo, atento, brioso, educador, está neste São
Paulo Antigo com toda a emoção do Ser que sente o chão
que lhe é sagrado.
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