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Baptista Cepellos

O poeta do drama brasileiro

A CIDADANIA E O POETA

Índice

AS VEREDAS DO POETA

O POETA D'ACUTIA

JB ENTREVISTA CEPELLOS

TRÁGICA POESIA D'AMOR

MANECO É MORTO

BAPTISTA CEPELLOS E COTIA

 

 

os poetas acutienses

Na morte tudo desaba:
Mas grita o germen do ovo:
Depois que tudo se acaba,
Tudo começa de novo!...

Há um Corpo e há uma Alma, e além disso há uma Terra que circula no Cosmo. A flor se renova em seu ciclo de nascimento, vida e morte. Mas há, também, a árvore e a mata que a seca destrói, ou que o fogo destrói igualmente. Esta imagem do ciclo do viver era muito forte na sensibilidade de Baptista Cepellos, por isso ele buscou estabelecer um sistema intelectual - ou melhor, talvez espiritual - entre o seu Eu e as Coisas.

Transportando uma Alma através de um Corpo vacilante no atrito com a Natureza, a atenção do escritor estava no Deus que ele sentia em si-mesmo. Gritavam-lhe as entranhas: Eu sou Ele!...E por isso Existo. Mas sei que Ele existe além de mim entre o Nada e o Todo que o ciclo da renovação mostra no simples ovo, na semente, ou no embrião da gente...

Sabia, de Cruz e Sousa, nascido n'Acutia catarinense, que há uma

Pompa de carnes tépidas e flóreas,

braços de estranhas correções marmóreas,

abertos para o Amor e para a Morte

e, como poucos intelectuais, veio a conhecer este

percurso em que as

...as carnes se dilaceram

e vão, das Ilusões que flamejaram,

com o próprio sangue fecundando as terras

que (nos) diz muito dos povos nativos cujas trilhas de vivência foram abertas com o sonho cristalizado da Fraternidade e com o sangue bravo de se saberem algo mais que simples seres... Sabiam do Bem e o propagavam na sua diáspora. Quando se fala de Cruz e Sousa ou de Baptista Cepellos não se pode esquecer os nativos Carijó - aqueles que sairam da Amazônia e, com a sua Acutia às costas, foram para Santa Catarina, Paraná e São Paulo, sempre reverenciando a Acutia-mãe... Não bebe(ra)m os dois poetas acutienses no mesmo espírito da bravura e se fizeram, aí, guerreiros espirituais da Literatura brasileira?

Sabemos, como afirma o professor Manuel Reis (in Crítica Necessária a José Saramago, p.113, Estante Editora - Portugal/1992), que ...há (...) princípios da básica condição humana, que estão na origem da caracterização positiva da chamada Civilização ocidental cristã e sua especificidade, os quais, na realidade, não temem confronto com os pródromos de outras civilizações, e nesses princípios está o indivíduo-pessoa: ...o ser humano (...) dotado, essencialmente, de vida interior e vida exterior. O indivíduo afirma-se na vida social por motivação própria e em resultado de valores, que internamente aceitou e assimilou (idem, p.114); ora, aqui está o espírito que encorpou culturalmente os dois poetas acutienses. E, interessante, os dois não se fecharam nesse ciclo: souberam encontrar as alternativas íntimas e se impuseram às próprias circunstâncias desbravando as características sociais para afirmarem o valor da Fraternidade que cada indivíduo transporta, mesmo inconscientemente!

Sorri homem, sorri.

Que o teu sorriso é a gênese do Todo,

Qual floresta virgem. Não digas "perdi",

Diz da emoção que és; joga no lôdo

A tristeza vil. E ri de ti.

Homem, tu és o continente e o gôzo!

Neste meu poema, de 1992, publicado em jornais e revistas, exalto esse íntimo poder de cada ser no eixo do estar-sendo; e por ele recordo os percursos dos dois poetas acutienses: ambos souberam do pesadelo de ter o Mal por vizinho e se aperceberam do interior e do exterior que eram - aí, buscaram o Bem através de uma Obra cultural que os deixou além da bélica existência que atormenta muita gente. A paz era o alvo de Cruz e Sousa tal como de Baptista Cepellos: a paz foi o alvo dos senhores d'Acutia que no Séc 16 receberam a Civilização ocidental cristã. Estes dois poetas conheceram a tristeza vil, conheceram a emoção da realização do Eu e, por fim, riram, ao encontrarem a Luz divina que cada um era...

O sonho transcendental era uma possibilidade e estava em Baptista Cepellos; encontrámo-lo mais vivo n'A Derrubada, o seu hino à ecologia humana. Também, a poética onde ele está mais inteiro porque nela está a força do seu querer estar e ser.

A plena cidadania estava tão inteira no poeta d'Acutia paulista quanto a sua criação poética. Lembro que no Sorriso Interior, o grande Cruz e Sousa fala(-nos) d'o ser que é ser, aquele que, no dizer de Baptista Cepellos está acima d'O Vil Metal e se reeencontra espiritualmente com o Todo fraternalmente cósmico. O professor Fidelino de Figueiredo, no seu Últimas Aventuras, ensina que existem plataformas de encontro do escritor com o seu público quanto ao gênero; neste caso, digo eu que Baptista Cepellos estava preocupado com o seu público - isto é: com fazer o Bem para engrandecer a sua alma. De porta em porta este escritor ía vendendo os seus livros porque o hoje tinha/tem de ser vivido na plenitude do exercício da cidadania.

O crítico João Ribeiro, um dos que analisou profundamente a Escrita Cepelliana, registrou o seguinte: em tudo há um enigma e em tudo se requere uma explicação (in Páginas de Estética). A sua aventura pelo que produzíu literariamente Baptista Cepellos foi a descoberta de um escritor cujo talento nem precisava ser dito; pois, como dizia Olavo Bilac (in Sinfonia), entre flautas e oboés, na inquietação da tarde, lá estava o poeta da boca-de-sertão paulista cantando o Tempo pela palavra onde a estética humana se encontrava na própria diversidade do Espaço.

Cantando Depois que tudo se acaba,/ Tudo começa de novo!... ele deixa(va) para a leitura dos outros a chave que permitia a interpretação da sua espiritualidade.

E era tão forte a chama da cidadania no poeta de Cotia que o seu poema São Paulo Antigo é disso um flagrante:

Minha terra famosa como Athenas,

Ninho altíssimo de águias e condores!

Doce pátria das lânguidas morenas,

De Bandeirantes e Conquistadores!

Filha de Anchieta a balbuciar no seio

De soturnas muralhas religiosas,

Foi teu bêrço uma igreja, erguida em meio

De virentes palmeiras acenosas...

Assim nasceste nesses tempos idos,

Quando, pelo sertão metendo a testa,

Catequistas e infantes aguerridos

Marinhavam no oceano da floresta.

Daqui, na irradiação de um sol a pino,

Teu gênio se espalhou de sul a norte;

E, ao progresso imortal erguendo um hino

Fundavas um país imenso e forte!

Extinta geração! Homens d'antanho,

Cuja fama, sem mácula, nos chega!

Infelizmente, êste servil rebanho

Nem pode compreender vossa alma grega!

Enfim, é sempre doce e confortante

Recostar a cabeça pensativa,

E ver passar, num sonho deslumbrante,

Uma gloriosa imagem reditiva...

Evoquemos, portanto, a Paulicéia

Daqueles dons senhores arrogantes,

Cujos nomes preclaros dão idéia

De um sangue azul em pulso de gigantes!

São Paulo dos violões de rua em rua,

Soluçando uma toada merencória...

E Castro Alves gritando, à luz da lua:

"Oh, Liberdade! Oh, Ponte Grande! Oh, Glória!

Cidade parnasiana! Moços poetas,

De basta cabeleira desgrenhada,

Ficam, de sob as gelosias quietas,

Cantando o nome da mulher amada!

E Álvares de Azevedo, sôrvo a sôrvo,

Bebendo o "spleen" de uma tristeza eterna,

Frequënta a cova lôbrega do "Corvo",

Onde imagina as "Noites na Taverna".

Cidade dos estudantes, gravemente

Sobraçando um mação de leis antigas,

De dia - atentos à lição do lente,

De noite - em serenatas e cantigas...

Oh! Cidade de boêmios pitorescos

Envolvidos em capas e mistérios...

Vultos que notambulam, donjuanescos,

Através de jardins e cemitérios...

São Paulo da garoa peneirante:

Um pálido lampeão ao longe brilha;

Range uma portinhola e, ao mesmo instante,

Escorrega uma sombra de mantilha...

Uma canção de amor, um sonho leve,

Enche de languidez a noite fria...

Nisto, se abre uma rótula, de leve,

E um claro rosto de mulher espia...

Então, meiga Cidade da pureza,

Sôbre a colina, como um lírio branco,

Eras um bêrço de ouro, uma beleza:

Ruas tortas, casinhas de barranco...

Hoje, São Paulo meu, não há terreno

Que te baste, no ardor com que te expandes...

Mas, ai! quanto tu fôste assim pequeno,

Como os teus grandes homens eram grandes!

Através deste poema Baptista Cepellos afirmou toda a sua raiz paulista; a sua consciência de cidadão ativo, atento, brioso, educador, está neste São Paulo Antigo com toda a emoção do Ser que sente o chão que lhe é sagrado.

Baptista Cepellos
O poeta do drama brasileiro
por João Barcellos

 

 


 
   

Idealizado por:
CRISTINA OKA & AFONSO ROPERTO©
Última atualização: 15 February, 2002