Qual era a extensão
da freguesia de Nossa Senhora de Monte Serrat há época
do Brasil colonial? O documento mais antigo que fala dos limites desta
freguesia data de 1748. Aos 12 de janeiro de 1748 foram feitas, pelo
governo eclesiástico as divisas de Cotia com Araçariguama
pela forma seguinte:
Araçariguama com Acutia: do
lado do Coronel Domingos Rodrigues da Fonseca em São Roque, vulgo
Peratinga, irá em linha que correndo em figura reta irá
terminar no sítio do Paiol; todo o território que ficou
da parte daquém pertencerá à freguesia de Acutia
exclusive o sítio do dito Domingos Rodrigues e o Paiol e da parte
dalém pertencerá a Araçariguama, inclusive, a ela
o sítio do sobredito Domingos Rodrigues exclusive o do Paiol
que pertence a Parnahyba como acima ficou dito. E acontecendo ficar
sem freguesia a capela de São Roque que por ora está anexa
a Araçariguama, terá a divisão entre Acutia e a
freguesia de São Roque uma linha que saindo do sítio de
Jorge Garcia, exclusive, correndo pelo monte das Pitas venha acabar
no sítio de Manoel Pereira e daí correndo a mesma linha
irá a demandar a estrada de Apereatuba e terminará até
o ribeirão Uma que é pólo onde termina a freguesia
de Sorocaba; todo o território da parte dalém desta linha
será o território de São Roque exclusive o sítio
do dito Manoel Pereira e daquém pertencerá o terreno a
Acutia inclusive a ela o sobredito sítio de Manoel Pereira
(Tombo de Araçariguama: 1747 1859, p.13 e Auto de
Delimitação da Paróquia de São Roque: 1766
1768, p. 3. Veja também Eugênio Edgar, os Municípios
Paulistas. 1º Vol. 1925, pp. 597 598)
Ora, este documento apresenta apenas as divisas com Araçariguama
e São Roque. Não nos foi possível localizar, porém,
documentos e provisões da criação das divisas com
as demais freguesias que existiam na época. Buscamos seguir,
portanto, um caminho indireto, mais lento e fácil, porém,
suficientemente seguro para deixarmos às dimensões exatas
da freguesia de Cotia nos anos de 1713.
O LIVRO DE ÓBITOS DE Cotia (1750 1775) será a nossa
primeira fonte de referência. Transcrevemos alguns assentamentos
que mencionam as freguesias com as quais a Paróquia de Cotia
fazia limites:
1) Aos 3 de janeiro de 1753 anos faleceu
da vida presente Elena Carijó casada com Ignácio, com
o sacramento da Penitência, a extrema unção, de
idade de 25 anos mais ou menos, moradora e freguesa na Aldeia de Baruery:
foi enterrada na Capela de Sorocamerim dos Carmelitanos de minha licença,
termo desta freguesia e recomendada pelo superior dela, de que fiz este
assento Pe. Antonio de Toledo Lara (p. 19v).
2) Aos 3 de julho de 1755 faleceu da vida presente nesta freguesia
de Cotia, Quitéria, menor, filha de Antonio, administrador, e
Antonia sua mulher, escravos de Francisco Pereira, fregueses de Santo
Amaro, com o sacramento da Penitência e Extrema Unção.
Foi sepultada na aldeia de MBoy termo desta freguesia. De que
fiz este assento, (idem. P. 33v).
3) Aos 12 de fevereiro de 1755, faleceu da vida presente Joana, solteira,
filha de Josefa Barroso, oriunda de Cuiabá, da casa de José
Munhoz, com todos os sacramentos. Foi enterrada no adro da Igreja de
Carapicuíba dos Jesuítas, de minha licença, termo
desta freguesia. De que fiz este assento (idem, p. 39v).
AS IRMANDADES NA FREGUESIA DE COTIA
No tempo do Brasil-Colônia existiam, na freguesia de Cotia, três
irmandades: a do Santíssimo Sacramento, a de Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos e a de Nossa Senhora da Conceição.
Estas associações congrevam pessoas concretas, historicamente
situadas. Umas congregavam apenas homens. Outras reuniam, preferencialmente,
negros. Outras ainda, preferiam pessoas de cor branca:
A Irmandade do SSmo. Sacramento foi instituída pelo Padre Antonio
de Toledo Lara enquanto servia como vigário entre 1751 e 1759.
Em 1757 visitou a freguesia de Nossa Senhora do Monte Serrat de Cotia,
o Padre Antonio de Medeiros (Vigário de Nossa Senhora da Candelária
de Itu e visitador ordinário das vilas e freguesias do bispado
de Dom Frei Antonio de Madre de Deus, 2º bispo de São Paulo).
O visitador não poupou elogios ao vigário por ter tomado
a iniciativa de instituir mais uma irmandade na freguesia:
Não menos se-lhe louva o zelo
que tem mostrado na instituição da Irmandade do Ssmo.
Sacramento, do qual todos devemos ser mais devotos, por dele nos proceder
todo o bem, pois, sem dúvida era coisa muito feia e digna de
se estranhar não haver a Irmandade de tão Altíssimo
Senhor em uma freguesia de tão aumentado e luzido povo como esta
(Tombo de Cotia: 1728-1844, p. 29v).
A tarefa da Irmandade do SSmo. Sacramento
era promover o culto à Eucaristia. Esta prática só
era possível nos centros urbanos, ou seja, na Igreja Matriz da
Freguesia, pois, exigia a presença do padre para a celebração
da Missa e benção do SSmo após a solene adoração.
Os irmãos eram obrigados a assistir à missa todas as quintas-feiras,
havendo em seguida a benção solene. Os membros vestiam
roupas vermelhas durante o culto, carregavam tochas por ocasião
da comunhão e nas procissões eucarísticas dentro
e fora da igreja, como também acompanhavam o sacerdote quando
este levava o viático aos gravemente enfermos. Apenas os homens
podiam ser membros desta irmandade e, segundo as Constituições
de Bahia (1707), os cantores (homens) e os irmãos podiam entrar
na Capela-Mor separada do resto da igreja por uma pequena grade. Portanto,
quem participava desta Irmandade se sentia privilegiado e altamente
honrado. (Cf. HOORNAERT, Eduardo et alii. História da Igreja
no Brasil. Tomo 2, Vozes, Petrópolis, RJ. 1977, p. 237)
Por esse tempo, já existiam na freguesia de Cotia as Irmandades
de Nossa Senhora dos Pretos e de Nossa Senhora da Conceição.
A finalidade da Irmandade do Rosário era difundir a devoção
a Nossa Senhora através do rosário. Além da reza
do terço, os irmãos cuidavam do enfeite do altar da Santa,
participavam de procissões, particularmente, daquele da festa
de Nossa Senhora do Rosário no mês de outubro. Os membros
desta irmandade podiam ser tanto homens quanto mulheres, geralmete escravos
negros. A Irmandade de Nossa Senhora da Conceição congregava
homens e mulheres, preferencialmente, brancos. Sua finalidade difundir
a devoção a Nossa Senhora através da consagração
da pessoa, da família e da paróquia à Virgem Maria.
Cada Irmandade tinha o altar da Santa Protetora, sepulturas próprias
para o enterro dos irmãos associados e seu patrimônio.
Cada uma assegurava aos sócios um enterro decente. Estes, porém,
tinham que pagar, periodicamente, uma contribuição em
dinheiro estabelecida pela própria irmandade ou pelas autoridades
eclesiásticas.
Parece que, com o decorrer dos anos, a Irmandade de Nossa Senhora da
Conceição foi se dividindo em duas confrarias: na dos
homens brancos e na dos homens pardos. Não
sabemos qual foi o motivo dessa divisão. Talvez os pardos
queriam distanciar-se dos homens brancos e vice-versa a molde da sociedade
da época. Já não se podia fazer irmandade de brancos
e negros!
As paróquias que recebiam esta proteção
eram chamadas paróquias coladas, pois, recebiam benefícios,
principalmente, dos protetores locais como no caso da freguesia
de Cotia.
Certamente, pelos anos de 1800, a freguesia de Cotia era Paróquia
Colada, ou seja, recebia côngrua do padroado.
Padre Manoel Dias Bueno, vigário na época, recebia da
Fazenda Real da Capitania de São Paulo, uma pensão para
a sua sustentação (Cf. Colações de Párocos:
Padre Manoel Dias Bueno. Estante 3, Gaveta 27 nº 46. Arquivo Metropolitano
Dom Duarte Leopoldo e Silva).
Tudo leva a crer, porém, que na época da inauguração
da Matriz, a Paróquia de Cotia ainda não era capela
real. Aliás, os depoimentos dos dois vigários afirmam,
claramente, que foram procurados pelos principais cabeças
e protetores da freguesia e que garantiam o sustento necessário
a ambos os padres!
Um dos protetores da capela recém construída
era o Coronel ESTEVÃO LOPES DE CAMARGO. Este entregou toda
a fábrica nova da dita Igreja. Providenciou não
apenas os paramentos e tudo o que era necessário para o culto
na nova capela, como também cedeu uma parte de suas terras para
a construção da mesma.
Estevão Lopes de Camargo possuía grandes riquezas: casa,
armas de fogo com anéis de prata, escravos, gado, cavalos e duas
fazendas em Cotia:
...a saber um sítio em Cotia, junto à Igreja, livre
dos meus herdeiros meus irmãos, com suas terras que confinam
com o Capitão Manoel Gomes.// Outro sítio tenho na borda
do Rio Cotia junto à estrada de Roque Soares//. Possuo mais umas
moradas de casas... nesta cidade de São Paulo e Declaro
que aquelas terras em que está situada a Igreja de Cotia são
minhas. As terras deste sátio foram avaliadas em 10 mil
reis (cf. inventários não-publicados. ORDEM nº 697.
Arquivo do Estado de São Paulo).
Outros homens fortes da época eram ROQUE SOARES DE MEDELIA, BELCHIOR
DE BORBA PAES e FELIZ MACHADO. Eram senhores que possuíam o maior
número de escravos na época em que Padre Salvador Garcia
Pontes servia como vigário entre 1718-1745.
Embora, oficialmente, o padre dependia financeiramente destas côngruas,
concretamente, se sustentava com dificuldades por meio das assim chamadas
desobrigas, ou seja, pequenas contribuições
pecuniárias que os fregueses davam por ocasião da confissão
anual e comunhão pascal. O batismo, os casamentos e os enterros
também eram consideradas de desobriga. Estas taxas
variavam segundo o parecer dos visitadores que de tempo visitavam as
freguesias. Daí a grande ênfase que os visitadores davam
a esta questão. Aliás, esta preocupação
é constante no Livro de Tombo de Cotia: 1718-1844!
Visitando a freguesia de Cotia em 1728, Dom Frei Antonio de Guadalupe
observou que os próprios protetores não ajudavam
como deveriam! Buscou corrigir este abuso através deste decreto:
Ainda que louvamos os moradores desta freguesia terem feito sua
igreja de novo, contudo não podemos deixar de sentir ela tão
despida de ornamentos e coisas necessárias para o culto divino,
o que procede que nem o protetor acudir em coisas alguma nem se pagarem
as covas que é o patrimônio da mesma igreja, para o que
mandamos que o Ver. Vigário cobre todas as pessoas que se enterrarem
na igreja, exceto as mais pobres, aquela quantidade que está
disposta pelo Ver. Visitador passado, o Ver. João das Pontes
... (Livro de Tombo de Cotia: 1728-1844, p. 5. Arquivo Metropolitano
Dom Duarte Leopoldo e Silva).